A Organização Mundial da Saúde fez uma projeção de que o número de casos de câncer para o ano de 2050 será 77% maior do que no ano de 2022, ano em que foram registrados cerca de 20 milhões de casos no mundo. Roger Chammas, professor de Oncologia da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade de São Paulo e coordenador do Centro de Investigação Translacional em Oncologia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), discorre sobre os motivos pelos quais o câncer está se tornando cada vez mais comum na saúde pública.
Controle de doenças infecciosas
De acordo com o professor, o desenvolvimento humano e da ciência contribuem para o controle de doenças chamadas de comunicáveis ou infectocontagiosas. Os tratamentos modernos, a produção de vacinas e o investimento em pesquisa permitem maior expectativa de vida para a população mundial.
“Hoje nós conseguimos controlar uma fração significativa de muitas doenças que há meio século eram as principais causas de morte da população, as comunicáveis e infectocontagiosas. Óbvio que haverá aquelas doenças contagiosas que vão levar à morte, mas estamos avançando muito no controle delas, portanto, estamos vivendo mais”, explica.
Causas biológicas
Segundo Chammas, o câncer ocorre majoritariamente por razões biológicas e, já que as pessoas estão vivendo por mais tempo, elas estão mais sujeitas a desenvolverem enfermidades não-comunicáveis, as quais são decorrentes da genética, do ambiente ou do estilo de vida de uma pessoa.
Essas doenças, conforme o docente, estão relacionadas a acúmulo, ou seja, conforme o indivíduo vive mais, ele está acumulando mais doenças. Ele conta que cada uma dessas enfermidades ocorre por acúmulo de uma característica e o câncer, em específico, é uma doença de acúmulo de mutação genética.
“Quando se acumulam proteínas mal dobradas, tem-se as doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, quando há o acúmulo de alterações metabólicas, ocorre a diabete ou doenças cardiovasculares e assim por diante. Então, o câncer está matando mais porque nós estamos envelhecendo mais, o principal risco de desenvolver câncer é a idade”, esclarece.
Avanço desigual
De acordo com o especialista, existe hoje uma grande desigualdade entre os sistemas de saúde do mundo todo, especialmente nos países de média e baixa renda. Ele afirma que, enquanto alguns indivíduos conseguem ter acesso aos mais modernos exames e recursos de diagnóstico, outros encontram pouca disponibilidade de tratamento nos hospitais próximos.
Conforme o professor, apesar das projeções para os próximos anos serem alarmantes, muitos países de primeiro mundo estão conseguindo reduzir a mortalidade pela enfermidade. Ele garante, no entanto, que é necessário pensar coletivamente em maneiras de democratizar o acesso da população global às técnicas mais recentes de prevenção ao câncer.
“Não são todas as pessoas que têm acesso à tecnologia e aos medicamentos que estão sendo desenvolvidos. Então, a gente vai precisar aprender a tratar de maneira efetiva quem precisa de tratamento, precisamos fazer esse diagnóstico: quem é a pessoa certa para o tratamento certo.”
Prevenção
Segundo Roger Chammas, as pessoas ainda têm muito medo de lidar com o câncer, por isso julga necessário que haja maior educação e conscientização para a prevenção da doença. Segundo ele, a promoção de saúde em todas as áreas médicas e a mudança em hábitos de vida já diminuem o risco do surgimento do câncer e aqueles que acabam adoecendo conseguem responder melhor ao tratamento, caso tenham práticas saudáveis.
Para o professor, é importante uma cooperação entre governo, pacientes e profissionais de saúde para que o tema seja discutido abertamente no cotidiano. Ele afirma que o Sistema Único de Saúde (SUS), apesar de poder ser melhor, possui plena capacidade de conduzir da melhor forma o tratamento dos enfermos, ainda mais quando o diagnóstico é feito precocemente.
“Nós precisamos educar para mudar hábitos, nós precisamos educar para a prevenção, nós precisamos educar para diagnóstico cada vez mais precoce. Existem mais de 200 tipos de câncer e é uma doença que evolui, então, quanto mais tempo passa sem que façamos alguma ação para controlar o câncer, menos tempo temos de qualidade de vida”, finaliza.
Julio Silva - Jornal da USP no Ar