Bactéria que adoeceu atletas nas Olimpíadas também é encontrada em represa de Votuporanga
Uma investigação sobre a qualidade da água em Votuporanga revelou níveis preocupantes de contaminação por Escherichia coli (E. coli) na represa do Córrego Marinheirinho, fonte de 36% do abastecimento da cidade. Os dados, obtidos através de relatórios de qualidade da água entre 2012 e 2024, mostram que a água distribuída à população frequentemente não atendeu aos padrões de potabilidade estabelecidos pelo Ministério da Saúde.
Da Redação
16 de Ago de 2024 às 17:43h
E. coli, bactéria encontrada no rio Sena e que pode ter causado internação de triatleta belga.
Durante os Jogos Olímpicos de Paris 2024, a triatleta belga Claire Michel precisou ser hospitalizada após participar da prova de triatlo individual, que incluiu uma etapa de natação no rio Sena. A suspeita é de que a atleta, assim como outros competidores, tenha contraído uma infecção bacteriana causada pela Escherichia coli (E. coli), bactéria comum no intestino de humanos e animais, mas que pode causar doenças graves em determinadas cepas.
Escherichia coli em Votuporanga
Esse problema de contaminação não é exclusivo de Paris. Em Votuporanga, na represa do Córrego Marinheirinho, foi constatada a presença da mesma bactéria em diversos períodos, levantando preocupações sobre a qualidade da água e os riscos à saúde pública.
O que é essa bactéria?
A Escherichia coli (E. coli) é uma bactéria que normalmente habita o intestino de animais de sangue quente, incluindo os humanos. Sua presença na água é um forte indicador de contaminação fecal, e sua proliferação pode levar a sérios problemas de saúde. O principal mecanismo de contaminação da água por E. coli é a via fecal-oral, ou seja, as fezes de animais ou humanos contaminadas com a bactéria entram em contato com a água.
Presença de Escherichia coli em diversos períodos
Fonte: Sistema INFOÁGUAS - CETESB / Presença de Escherichia coli em diversas amostras coletadas entre 2012 e 2024.
Os testes realizados indicam que a bactéria Escherichia coli foi detectada em diversos momentos ao longo do período analisado. Embora a represa do Córrego Marinheirinho represente 36% da captação de água do município, o sistema de distribuição de água é totalmente interligado. Isso significa que a água proveniente dessa represa é distribuída para toda a malha urbana de Votuporanga, abrangendo todas as regiões da cidade.
A análise dos dados revela que o percentual de análises realizadas para coliformes ao longo dos anos não atinge 100% do quantitativo anual previsto. Isso indica que não estão sendo realizados todos os testes para coliformes necessários conforme o quantitativo anual previsto. O cumprimento tem melhorado, especialmente a partir de 2020, mas ainda não atinge 100%, sugerindo uma necessidade de melhoria no número de análises realizadas.
Fonte: SISAGUA - A análise dos dados na imagem mostra que o percentual de análises realizadas para coliformes ao longo dos anos não atinge 100% do quantitativo anual previsto.
Além de Escherichia coli, a Portaria 2914/2011 também exige o monitoramento de coliformes totais, que devem estar ausentes em 100 mL de água nos sistemas de distribuição. No entanto, o relatório não detalha de forma clara se esse monitoramento está sendo realizado adequadamente e se os valores encontrados estão dentro dos limites permitidos, levantando preocupações sobre a integridade do sistema de distribuição e a eficácia dos processos de tratamento de água.
Água que passarinho não bebe
Imagens / Redes Sociais
Dados obtidos no portal da transparência da prefeitura de Votuporanga mostram que a prefeitura gastou quase R$ 73 mil somente em 2022 com a compra de água mineral, incluindo galões de 20 litros, frascos de 510 ml e copos de 200 ml para diversas áreas. Em diversas imagens registradas na própria prefeitura, é possível observar a presença de garrafas de água mineral em uso, o que levanta questões sobre a confiança na água tratada e distribuída pela Saev Ambiental.
Além disso, em reuniões e eventos realizados pela Saev Ambiental desde 2018, também é possível observar a presença de garrafas de água mineral. Curiosamente, não foram encontradas licitações para a compra de água por parte da Saev, o que levanta ainda mais questionamentos sobre o consumo de água dentro da própria autarquia. Essas informações sugerem que tanto a prefeitura quanto a autarquia podem estar evitando o uso da água tratada e distribuída pela Saev, que é a mesma fornecida à população, o que é, no mínimo, estranho.
Falta de transparência e riscos à saúde pública
A infecção por Escherichia coli (E. coli) é um problema grave de saúde pública, especialmente quando causada por cepas patogênicas da bactéria, que podem levar a doenças como diarreia, infecções do trato urinário, e em casos mais severos, síndrome hemolítico-urêmica, uma condição que pode causar insuficiência renal. A contaminação geralmente ocorre através da ingestão de água ou alimentos contaminados com fezes de animais ou humanos infectados. Em ambientes de água doce, como rios e reservatórios, a presença de E. coli é um forte indicador de contaminação fecal, representando um risco significativo à saúde, especialmente em locais onde a água não é tratada adequadamente.
A presença da bactéria Escherichia coli na água de Votuporanga é um sinal alarmante de contaminação, mas a verdadeira dimensão do problema permanece incerta devido à realização incompleta dos testes previstos, o que levanta dúvidas sobre se os níveis detectados ultrapassam os limites permitidos. A falta de transparência e a insuficiência dos dados disponíveis impedem uma avaliação precisa de onde mais a bactéria pode estar presente e qual a extensão do risco para a população. Diante disso, é crucial que as autoridades responsáveis tomem medidas imediatas para realizar os testes necessários, divulgar as informações de forma clara e agir com urgência para garantir a segurança do abastecimento de água e a saúde pública.
Até o momento, não há informações sobre casos de infecção na cidade relacionados à qualidade da água. Contudo, a situação levanta preocupações sobre os possíveis riscos à saúde pública.
Escherichia coli no microscópio, ampliada 10.000 vezes / wikipedia
A falta de transparência na divulgação dos testes de qualidade da água pela Saev Ambiental levanta sérias preocupações quanto à segurança e à confiabilidade do abastecimento em Votuporanga. Embora a legislação vigente, como o Decreto nº 5.440/2005 e a Portaria de Consolidação nº 5/2017, estabeleça claramente a obrigatoriedade de informar a população sobre a qualidade da água de maneira precisa, clara e acessível, essa informação não está disponível no site da Saev Ambiental. Essa omissão impede que os moradores tenham acesso a dados cruciais sobre a presença de contaminantes como Escherichia coli, comprometendo o direito à informação e à proteção da saúde pública. A ausência de transparência não só viola os preceitos legais, mas também mina a confiança da população no sistema de abastecimento de água, que deveria ser gerido com máxima responsabilidade e clareza.
No contexto da transparência e da obrigatoriedade de divulgação de informações sobre a qualidade da água, a legislação brasileira estabelece várias diretrizes fundamentais que devem ser observadas pelas empresas responsáveis pelo abastecimento de água:
Decreto nº 5.440, de 4 de maio de 2005: Este decreto determina que a informação prestada ao consumidor sobre a qualidade da água deve ser "verdadeira e comprovável", além de "precisa, clara, correta, ostensiva e de fácil compreensão" (Art. 3º, incisos I e II). Ele também assegura ao consumidor o direito de receber, nas contas mensais, um resumo dos resultados das análises dos parâmetros básicos de qualidade da água, além de relatórios anuais detalhados sobre a qualidade da água distribuída (Art. 5º, incisos I e II).
Portaria de Consolidação nº 5, de 28 de setembro de 2017: Essa portaria, que consolida normas do Sistema Único de Saúde (SUS), reforça a responsabilidade dos municípios em garantir informações à população sobre a qualidade da água para consumo humano (Capítulo III, Seção III, Art. 12, inciso V). Ela também estipula que, no controle da qualidade da água, devem ser adotadas ações corretivas quando forem detectadas amostras com resultado positivo para coliformes totais, incluindo a recoleta de amostras em casos de interpretações duvidosas (Capítulo V, Art. 27, §§ 1º e 7º).
Decreto nº 5.440/2005: Complementando as diretrizes, este decreto estabelece que os consumidores têm o direito de ser informados sobre as características físicas, químicas e microbiológicas da água, com um enfoque educativo que promova o consumo sustentável e relacione a qualidade da água com a saúde pública (Capítulo I, Art. 3º, inciso III).
Sem respostas oficiais
Até o fechamento desta reportagem, não obtivemos retorno da Prefeitura Municipal de Votuporanga e da Saev Ambiental sobre os questionamentos levantados.
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