Áudios e documentos entregues à Polícia Federal em setembro de 2024 expõem um esquema de fraude eleitoral envolvendo a transferência irregular de títulos eleitorais na cidade de Pedranópolis, interior de São Paulo. As gravações revelam a atuação de um candidato a vereador que teria negociado diretamente com eleitores de município vizinho, enquanto os documentos sugerem que essa prática é amplamente difundida, com o envolvimento de outros políticos, incluindo eleito.
Esquema de Transferência de Títulos Revelado em Áudios
Nos áudios, é possível ouvir um morador de uma cidade próxima a Pedranópolis detalhando como foi abordado por um candidato a vereador para realizar a transferência de seu título eleitoral. O morador relata que recebeu R$ 1.000,00 por meio de transferência bancária como pagamento para efetuar a mudança de seu título. Nos áudios o morador relata que o candidato a vereador teria negociado não apenas com ele, mas também com outros membros de sua família.
Além do pagamento, o candidato a vereador entregou ao morador um "santinho" contendo o número do candidato a prefeito que ele deveria votar, claramente tentando influenciar o voto. Em um trecho da gravação, o morador afirma que não teve que assinar ou comparecer a nenhum local para efetuar a transferência, indicando que o processo foi realizado de forma irregular e facilitada pelo próprio candidato.
Outro ponto relevante da conversa captada é a completa falta de conhecimento do morador sobre onde deveria votar após a transferência. Ele comenta que não sabia onde ficava a escola em que seria designado para votar, e a pessoa que realizou a transferência falou apenas o nome da escola. Isso reforça a suspeita de que o eleitor não tinha vínculo com Pedranópolis e foi levado a transferir seu título apenas para inflar o número de eleitores da cidade.
Em outro momento do áudio, o morador afirma que o candidato a vereador responsável pela transferência de seu título já havia realizado o mesmo processo com diversas outras pessoas, sugerindo que se trata de uma prática recorrente.
Documentos Sugerem Envolvimento de Outros Políticos
Além dos áudios, a denúncia entregue à Polícia Federal inclui uma lista extensa de títulos transferidos irregularmente para Pedranópolis. Esses documentos contêm nomes e dados de eleitores que não possuem vínculo com o município, mas cujos títulos foram transferidos de forma suspeita.
Segundo o denunciante, até vereador eleito está na lista e estaria diretamente envolvido no esquema, o que indica que a prática não se limita a um único político. A lista também inclui os nomes de pessoas responsáveis por facilitar essas transferências, levantando a hipótese de que o esquema envolva diversos atores políticos e operacionais.
Crescimento Anormal no Número de Eleitores
Os indícios de fraude eleitoral começaram a ganhar força quando os moradores de Pedranópolis notaram um aumento significativo e inexplicável no número de eleitores registrados nos últimos anos. Segundo dados do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), o município tinha 2.000 eleitores em 2010, número que subiu gradualmente para 2.461 em 2023 e, surpreendentemente, atingiu 2.688 em 2024. Este crescimento expressivo não corresponde ao aumento natural da população, o que levantou suspeitas de fraude.
De acordo com o último censo do IBGE, Pedranópolis tem uma população de 2.787 habitantes, sendo 420 menores de 14 anos e 167 jovens entre 15 e 19 anos, o que torna o número de eleitores registrado este ano ainda mais questionável.
Estima-se que aproximadamente 300 eleitores tenham sido incluídos de forma irregular no cadastro eleitoral do município, o que poderia influenciar diretamente o resultado das eleições.
Moradores locais relataram que há anos observam a presença de "eleitores fantasmas", pessoas desconhecidas que aparecem apenas no período eleitoral. Esses eleitores, supostamente atraídos por benefícios financeiros, estariam distorcendo a verdadeira vontade da população da cidade.
"Isso não é novidade para nós, sempre aparecem pessoas que ninguém conhece só na época de eleição", comentou um morador que preferiu não se identificar.
O esquema revelado pelos áudios traz à tona uma grave falha no sistema de controle das transferências eleitorais, já que, conforme o Art. 55 do Código Eleitoral, a transferência de domicílio exige que o eleitor compareça ao cartório eleitoral portando documento oficial, título de eleitor e comprovante de residência. No entanto, a gravação mostra que o processo de transferência foi realizado sem que o eleitor sequer precisasse comparecer ao cartório, o que levanta questionamentos sobre como essas transações puderam ocorrer sem a verificação adequada dos documentos exigidos.
Investigações da Polícia Federal
A Polícia Federal já vem investigando fraudes relacionadas à transferência irregular de títulos eleitorais na região há algum tempo. Em abril de 2024, foi deflagrada uma operação na cidade de Nova Castilho, também no interior paulista, onde agentes realizaram buscas na Casa da Agricultura como parte de uma investigação para combater fraudes eleitorais. O objetivo foi identificar eleitores que transferiram seus títulos sem possuir qualquer vínculo com o município. As ações da PF têm sido constantes, visando reprimir e prevenir práticas eleitorais ilegais em 44 municípios da região, incluindo Pedranópolis.
Conforme as apurações da operação de Nova Castilho, os investigados podem responder por crimes como inscrição fraudulenta de eleitores, indução de terceiros à inscrição irregular e uso de documentos falsificados, cujas penas podem chegar a até 5 anos de reclusão, além de multas.
No caso específico de Pedranópolis, os áudios entregues e as listas de eleitores transferidos irregularmente devem fortalecer as investigações em curso. O material fornecido pelo denunciante contém provas que indicam o envolvimento de vereador eleito no esquema, além de nomes de facilitadores responsáveis por essas transferências fraudulentas. Esses elementos são cruciais para que a Polícia Federal possa avançar nas apurações e identificar todos os envolvidos no esquema, assegurando que as eleições municipais sejam conduzidas de maneira justa e transparente.